Leia a reporagem
Na manhã da segunda-feira 6, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou irritado ao Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Estava cansado, nauseado e com uma forte dor na garganta – efeitos colaterais do duro tratamento médico a que vem se submetendo há cerca de três meses. Lula recebeu mais uma sessão de radioterapia e, como em outras vezes, foi andando com calma até uma ala de dez metros quadrados no setor de recuperação, onde costuma receber políticos que o visitam. Mas não naquele dia. O ex-presidente tinha preferido a presença de apenas um amigo de longa data. E foi ao lado dele que recebeu a informação que mudaria seu ânimo: o câncer detectado em outubro estava vencido pela intensa medicação. Segundo a definição de um de seus médicos, o tumor maligno de quase três centímetros “foi reduzido a zero”.
Era a notícia que Lula esperava e, de certa forma, havia antecipado em 1º de novembro, quando, apenas quatro dias após receber o diagnóstico de um câncer na laringe, fez sua primeira manifestação pública sobre a doença. Num vídeo divulgado pela internet, ao lado da esposa, Marisa Letícia, ele se empenhava em mostrar confiança: “Estou preparado para enfrentar mais uma batalha e acho que nós vamos conseguir tirar de letra.”
TRATAMENTO
Mesmo sabendo que ainda tem pela frente a fase final das aplicações, que seguem até o dia 17 de fevereiro, o ex-presidente se empolgou. Mal chegou ao Instituto Lula na terça-feira 7, para onde segue quase todos os dias depois de deixar o hospital, disparou telefonemas. Comunicava a amigos e lideranças de diversos partidos o que tinha escutado do médico, sempre pedindo total discrição. Com os mais próximos, se animou até a discutir detalhadamente a ambiciosa agenda que projetou para 2012. Confiante por constatar que, afinal, está superando mais uma provação, ele planeja uma nova fase. Lula quer daqui para a frente dedicar seus dias a quatro missões: preparar o PT para as eleições municipais em todo o País, cravar uma vitória histórica em São Paulo, ampliar o Instituto Lula e angariar fundos para a construção do Memorial da Democracia. Mas Lula terá que esperar mais algumas semanas para entrar de cabeça nessas tarefas. Apesar de aliviado com a primeira vitória contra o câncer, o ex-presidente não passou bem o resto da semana. Em razão de uma enorme inflamação na garganta, mal conseguia comer, embora siga à risca o regime de dieta pastosa recomendado pelos médicos. Cansado, chegou a interromper por mais de duas vezes reuniões com a equipe do seu instituto. De acordo com pessoas próximas, Lula perdeu cerca de três quilos desde o começo do mês.
A equipe médica responsável pelos cuidados do ex-presidente não confirma o desaparecimento do tumor, preferindo referir-se apenas à fase concluída do tratamento; antes, portanto, das aplicações de radioterapia. “Sem dúvida, o prognóstico é muito bom porque o ex-presidente respondeu muito bem ao tratamento com quimioterapia, quando houve uma redução de 75% do tumor”, disse o oncologista Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Ele vai aguardar os exames conclusivos, em março. Os médicos também orientaram Lula a não comparecer ao desfile da escola de samba Gaviões da Fiel no sábado 18, que terá como tema “Verás que um filho fiel não foge à luta: Lula, o retrato de uma nação”, em razão de sua ainda baixa imunidade. A última sessão de radioterapia acontecerá um dia antes da apresentação da Gaviões.
PLANOS
A partir de março, Lula terá vida normal. Passará apenas por exames periódicos (um câncer só é considerado realmente “curado” depois de cinco anos) e será acompanhado por uma fonoterapeuta para melhorar a fala e a deglutição na laringe. Nos últimos dias ele definiu com seus principais assessores o que chamou de “espinha dorsal” de sua agenda em 2012. Ficou definido que até o final de março ou no máximo até a primeira quinzena de abril, ele deverá permanecer a maior parte do tempo despachando no instituto. Sua atenção estará voltada prioritariamente às campanhas petistas em cerca de 120 cidades com mais de 150 mil habitantes pré-definidas e assinaladas em um mapa sobre a mesa de sua sala. Na avaliação do ex-presidente, em cerca de 30 desses municípios, incluindo Curitiba e Belo Horizonte, o PT deve abrir mão da cabeça de chapa para apoiar candidatos do PSB, do PMDB e do PDT. Um dos primeiros a ser chamado para uma conversa será o deputado federal Dr. Rosinha. Ele quer que o petista abandone a ideia de se candidatar ao Executivo da capital paranaense e apoie Gustavo Fruet (PDT). Especialista em montar palanques e solucionar conflitos entre as alas internas do PT, Lula pretende convocar as lideranças de sua legenda e convencê-las da importância de construir alianças amplas o mais rápido possível.
Entre abril e o fim de julho, Lula pretende dedicar seu tempo ao instituto que leva seu nome. Considerando que até lá estará livre dos efeitos colaterais da luta contra o câncer, priorizará visitas ao Exterior. Durante o tempo em que permaneceu sob tratamento, ele deixou de fazer cerca de 30 viagens internacionais para dar palestras que reforçariam o caixa da instituição. O ex-presidente tem insistido junto a seus assessores, principalmente Paulo Vanucchi e Paulo Okamoto, para que o Instituto Lula seja mais amplo que o PT, do ponto de vista ideológico. Ele pretende transformar a entidade numa referência mundial em formulação e implantação de políticas de inclusão social em desenvolvimento e consolidação de democracias. Para essa nova fase, o Instituto Lula planeja ampliar em 40% o número de funcionários e trocar a atual sede, um pequeno sobrado no bairro do Ipiranga, na capital paulista, por uma sala comercial com cerca de mil metros quadrados.
ESCOLHIDO
A partir de agosto, na reta final das eleições municipais, o ex-presidente dedicará o seu tempo ao que tem chamado de “mergulho nas campanhas”. Subirá em palanques em todos os municípios com mais de 150 mil habitantes para pedir votos aos candidatos do PT e aliados. Dará atenção especial, no entanto, à capital paulista, onde Fernando Haddad, seu ministro da Educação, será o candidato petista. Lula está empenhado em tirar proveito do índice de popularidade, que nunca esteve tão favorável entre os eleitores da maior cidade do País. Enquanto no pleito presidencial de 2006, o ex-presidente conseguiu apenas 35,7% dos votos paulistanos no primeiro turno na disputa por Palácio do Planalto, agora pesquisas, como o Datafolha, indicam que 48% dos eleitores da capital paulista dizem que podem escolher o candidato indicado pelo ele.
Antes da doença, esse número de seguidores não passava de 16%. O cenário político, na opinião de Lula, também não poderia ser melhor: as forças que derrotaram a então prefeita Marta Suplicy, em 2000, estão divididas. Com a recusa de José Serra em concorrer, os tucanos ainda não acharam um nome para a disputa. De seu apartamento em São Bernardo, na noite da quarta-feira 8, Lula telefonou para um dos líderes petistas mais próximos a ele. Com a voz muito rouca, disse que a aliança com Kassab em São Paulo passou a ser vital ao seu projeto e explicou: “Não se trata apenas de ganhar a eleição em São Paulo, mas de quebrar a espinha dorsal da parceria PSDB com os liberais, representados ora pelo DEM, ora pelo PSD.”
Dois meses atrás, quando Kassab passou a se insinuar para o PT, Lula estava disposto a refutar o apoio, evitando entrar em rota de colisão com a senadora Marta Suplicy, que rejeita a possibilidade de dividir palanque com o atual prefeito. Há duas semanas, no entanto, a posição de Lula mudou. Até o fim de janeiro, o ex-presidente nutria a esperança de conseguir afastar da disputa paulistana o deputado federal Gabriel Chalita e compor uma chapa com o PMDB em São Paulo. Do hospital, manteve diversas conversas com o vice-presidente, Michel Temer, e com o próprio candidato peemedebista. “O Lula tentou de todas as formas convencer o PMDB e o Chalita a estar conosco ainda no primeiro-turno”, disse um dos principais confidentes de Lula. “Desde o início de fevereiro, no entanto, partiu para outra.” Para convencer os resistentes petistas a uma parceria eleitoral com o PSD de Kassab, Lula tem uma carta na manga. Na semana passada, durante conversa com o prefeito, o ex-presidente desenhou o que chamou de a “chapa dos sonhos”: Haddad, prefeito; Henrique Meirelles, vice. Na opinião do ex-presidente, até os petistas mais radicais de São Paulo não teriam problemas para subir em um palanque ao lado de Meirelles, tido no próprio partido como um dos pilares do sucesso do governo de Lula. Kassab prometeu se empenhar em convencer o ex-presidente do Banco Central a encarar o desafio. A ideia de Lula era ele mesmo ligar para Meirelles na quarta-feira 8. O seu estado físico, porém, não permitiu.
Outra missão encarada como primordial pelo ex-presidente está diretamente ligada à aproximação entre Lula e Kassab: a construção do Memorial da Democracia pelo Instituto Lula. Um museu que, além de contar com o acervo do período do ex-presidente na Presidência da República, apresentará temas que contribuíram para a evolução política do País, como a Anistia e a Constituinte. Cerca de 20 profissionais trabalham no projeto arquitetônico e na curadoria. Entre eles, Gringo Cardia, que participou também do desenvolvimento e da implementação do Memorial Minas Vale, do Museu das Telecomunicações e do Museu da Cruz Vermelha, na Suíça. “Tudo é muito preliminar, pois estamos nos reunindo ainda. Mas posso adiantar que será um espaço multimídia, no qual o público vai interagir com as obras”, conta Cardia. Certo mesmo é que o espaço será erguido em um terreno cedido recentemente pela Prefeitura de São Paulo na região da Cracolândia, área degradada no centro da capital paulista marcada pela presença de dependentes químicos e traficantes.
A doação da área em um período pré-eleitoral, no momento em que PT e PSD ensaiam uma aliança na capital paulista, foi fruto de negociações que começaram no primeiro semestre de 2011, conforme apurou ISTOÉ. Por meio de emissários, Lula tinha enviado a proposta de montar o Memorial da Democracia aos governantes da cidade de São Paulo e São Bernardo do Campo e do Estado do Rio de Janeiro. Kassab tomou a frente e passou a reunir-se com Paulo Okamoto, comandante do instituto, depois de regularizar a criação do PSD e se mostrar próximo ao governo em reunião da bancada da nova legenda com a presidenta Dilma. O prefeito também se reuniu com o próprio Lula para discutir o assunto. “Nessas negociações, Lula e Kassab começaram a criar uma afinidade”, diz um parlamentar do PSD. Em uma das visitas ao petista no Hospital Sírio-Libanês, Kassab comunicou a Lula a doação da área. Agora o desafio da entidade do ex-presidente é obter na iniciativa privada os recursos para viabilizar os custos. Uma das alternativas é oferecer a cada patrocinador o nome de uma das salas de exposição.
PARCERIA
Lula pretende atrair para o Memorial da Democracia acervos de todos os presidentes que governaram o País após o fim da ditadura e, para isso, já mandou sinais a José Sarney e Fernando Henrique Cardoso. Atividades como essa, acima dos partidos em conflito, o encantam. E a força para realizá-las não deve lhe faltar. Afinal, o Lula que sai do calvário da luta contra o câncer é, inevitavelmente, um mito revigorado, sem paralelos na história política brasileira. A vitória sobre a doença, segundo especialistas em comunicação política ouvidos por ISTOÉ, ampliam a sua imagem de vencedor junto à população. Para a pesquisadora da Universidade Federal do Paraná e autora do livro “Lula, do Sindicalismo à Reeleição, um Caso de Comunicação, Política e Discurso”, Luciana Panke, o petista se projeta como poucos líderes na figura pública do herói descrita há mais de meio século pelo americano Joseph Campbell, um dos maiores estudiosos de mitologia e religiões do mundo. Segundo ele, a façanha da formação de um mito heroico começa com alguém a quem foi usurpada alguma coisa ou que sente estar faltando algo entre as experiências normais permitidas aos membros da sociedade. Essa pessoa, então, passa a empreender uma série de aventuras que ultrapassam o usual – com a intenção de recuperar o que tinha sido perdido ou para descobrir a essência da vida. “Lula faz questão de ressaltar em seus discursos as dificuldades pelas quais passou e as formas como deu a volta por cima. Cria, ao mesmo tempo, identificação e admiração entre o público”, explica Panke. “Provavelmente, esse caso da doença reforçará ainda mais essa trajetória acompanhada durante seus mais de 30 anos de vida pública.”
Mais dados: Acesse http://www.istoe.com.br/reportagens/190373_A+NOVA+FASE+DE+LULA?pathImagens&path&actualArea=internalPage
Nenhum comentário:
Postar um comentário