O jornal Gazeta do Povo publicou nesta segunda-feira (30)
uma entrevista com a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Confira na
íntegra:
Gleisi: "Se o governo do PR tivesse projetos,
poderíamos ter feito mais"
De saída da Casa Civil em janeiro, a ministra Gleisi
Hoffmann começa a moldar o discurso para a disputa do governo do Paraná, em
2014. Mesmo sem oficializar a candidatura, a petista faz uma série de críticas
à gestão Beto Richa (PSDB) e questiona as declarações de que a administração
federal prejudica o estado. Para ela, o crescimento paranaense nos últimos anos
se deve à política econômica dos governos Lula e Dilma Rousseff.
"Talvez pudéssemos fazer mais, se nós não tivéssemos um
vazio, um deserto de projetos e propostas no governo do Paraná", afirmou,
em entrevista concedida no Palácio do Planalto, semana passada. Dura na
avaliação do provável adversário eleitoral no próximo ano, Gleisi se emocionou
ao falar dos episódios mais marcantes na passagem pelo ministério. A ministra
chorou ao lembrar de uma visita que fez a uma unidade de saúde no Tatuquara, em
Curitiba, para verificar o andamento do programa Mais Médicos.
Direto ao ponto: já dá para chamar a sra. de candidata ao
governo do Paraná?
As eleições cabem a 2014. Portanto, é quando elas serão
discutidas e as definições serão tomadas. Eu tenho várias manifestações
favoráveis a eu ser candidata ao governo do Paraná, de lideranças no estado, de
prefeitos, de partidos aliados. Mas essa é uma discussão que ainda vamos fazer
no início do próximo ano.
Ainda existe alguma possibilidade de não ser candidata e
permanecer no ministério?
A possibilidade maior é de eu sair do governo em janeiro.
Isso não quer dizer necessariamente que eu saio para ser candidata. A avaliação
sobre eu ser candidata ou não será feita no início do ano, com a participação
de várias pessoas e partidos que participam da política paranaense.
Então janeiro é mesmo a data-limite para a saída da Casa
Civil?
Sim, a presidenta pretende anunciar as mudanças ministeriais
a partir de janeiro.
Sem citá-la como candidata, qual é o desafio do PT na
próxima eleição paranaense?
Apresentar uma proposta de estado que seja factível, em
termos de gestão do estado, de administração, e que isso tenha como objetivo a
sustentação de um crescimento e de um desenvolvimento harmonioso do Paraná e de
todas as suas regiões. O Paraná é um estado rico, de gente trabalhadora, com
grande potencial. Infelizmente, o atual governo do estado não tem dado os
estímulos necessários nem tem feito as concertações necessárias para ampliar
esse potencial de desenvolvimento.
E quais seriam essas concertações?
Uma grande colaboração que o governo do estado poderia dar,
em primeiro lugar, é pagar em dia seus fornecedores. Em segundo lugar, deveria
estimular principalmente a micro e pequena empresa e rever sua política de
substituição tributária. Em terceiro, enfrentar de vez a questão dos pedágios
distorcidos e que tanto contribui para onerar a nossa produção.
A justificativa do governo do estado para a questão do
pagamento dos fornecedores passa pelo atraso na liberação de empréstimos que
dependem do aval da União, o que sempre foi tratado como uma questão política e
até de perseguição do governo federal. Qual é a sua visão sobre isso?
Eu lamento que se tente justificar a incapacidade e a
incompetência administrativa do governo estadual e do chefe do Executivo
colocando a culpa em outras situações e outras pessoas. Os empréstimos do
Paraná só não saíram porque o estado estava com pendências no Cadastro Único de
Convênios da União e não respeitava a Lei de Responsabilidade Fiscal, já
demonstrando uma desgovernança.
Mas sempre ficou clara que essa era uma questão técnica? A
sra. sabia dessas dificuldades ou ficou tudo restrito ao Tesouro Nacional?
Tudo que dependia de nós para encaminhar os empréstimos foi
feito. Inclusive esses processos, quando passaram pela Casa Civil, passaram de
maneira muito rápida. Não ficou sequer um dia aqui antes de ser despachado. As
discussões sobre os empréstimos foram técnicas. Faltou na realidade gestão
financeira e administrativa para o estado. O governo da presidenta Dilma tem se
pautado por ter uma administração republicana. Todos os estados brasileiros são
contemplados com recursos, programas, com os projetos que o governo federal
coloca à disposição da sociedade brasileira. Fizemos um grande esforço para que
o Paraná pudesse ser contemplado na maioria desses programas. E o estado foi
contemplado com investimentos em rodovias, nas BRs-153, 163 a 487, que são
trechos com infraestrutura finalizada. Vamos fazer a licitação da BR-163, de
Cascavel a Marmelândia. Finalizamos o contorno oeste de Cascavel. Em janeiro
vamos entregar o contorno de Maringá. Estamos fazendo um grande investimento em
mobilidade urbana em Curitiba. Temos grandes investimentos para o porto de
Paranaguá, para os nossos aeroportos, em São José dos Pinhais, no Bacacheri, em
Foz do Iguaçu, em Londrina. O programa Minha Casa, Minha Vida tem um dos
maiores investimentos no Paraná. Há entregas de máquinas e equipamentos,
reformas de unidades básicas de saúde de unidades de pronto atendimento.
Colocamos duas universidades no estado. Ou seja, o governo federal tem feito
grandes investimentos no Paraná.
Mas há muita reclamação sobre o volume de repasses e de
investimentos diretos em relação a outros estados.
Injustamente. Talvez pudéssemos fazer mais, se nós não
tivéssemos um vazio, um deserto de projetos e propostas no governo do Paraná.
Então o problema é esse, a falta de projetos?
Com certeza. Há uma baixa iniciativa do governo do estado em
relação à captação de recursos federais e de ampliação de programas e projetos.
Até agora a campanha pelo governo do estado vem sendo
travada nessa esfera, numa discussão sobre uma possível discriminação que o
governo do estado promove contra o Paraná. Isso vai entrar no debate eleitoral
para valer, no ano que vem?
É difícil fazer uma avaliação de futuro. Eu espero que seja
uma campanha que, quem quer que sejam os candidatos que participem, possa se
pautar por um debate propositivo para o nosso estado. O Paraná é um estado
muito pujante. Se tiver boas iniciativas e uma boa coordenação de governo, é um
estado que pode despontar ainda mais no cenário nacional e internacional.
A sra. recebe muitos pedidos e cobranças para ajudar de
alguma forma o Paraná, apesar de a Casa Civil precisar se preocupar com os
estados como um todo. Isso atrapalhou a sua gestão de alguma forma, foi algum
tipo de incômodo?
De maneira alguma. Recebo a todos aqui com muita boa vontade
e com disposição de auxiliar, sejam paranaenses ou sejam representantes de
outros estados. Penso que temos que dar respostas aos problemas diversos das
unidades da federação. Isso tem a ver com o desenvolvimento do Brasil. O Paraná
é um estado que tem crescido muito. Hoje mesmo [dia 19 de dezembro] vi uma
matéria na Gazeta do Povo mostrando que o Paraná teve o maior crescimento
econômico entre os estados. Até achei interessante a avaliação de alguns
representantes do governo do estado, que no meu entender chegam a ser
despropositadas, de que o Paraná cresce apesar da União, apesar de o governo
federal estar atrapalhando. Eu diria que o Paraná só está crescendo no ritmo
que está crescendo graças à política econômica feita pelo governo federal. Quem
faz política econômica não é o governo do estado. Se a agricultura teve esse
desenvolvimento, é porque fizemos investimentos fundamentais. Hoje nós
financiamos a agricultura brasileira com juros subsidiados, de no máximo 5,5%
ao ano. Nós temos um programa de investimentos em máquinas e equipamentos com
juro de 3,5% ao ano. E colocamos agora, no Plano Safra 2013/2014, um programa
de financiamento de armazenagem também com juro de 3,5% ao ano, três anos de
carência e 15 anos para pagar. O Paraná é o estado que tem mais projetos em
análise na área de agricultura no Banco do Brasil e que mais liberou recursos
até agora. Essa pujança da agricultura, que é um dos fatores que levantam a
economia paranaense, tem a ver com uma política de estímulo a crédito e
investimentos na agricultura. Se nós formos olhar Mato Grosso, com certeza vai
ter o mesmo desempenho. O emprego está bom no Paraná porque está bom no Brasil.
Nós temos a menor taxa de desemprego nacional da nossa história. É óbvio que
tudo isso tem reflexo no Paraná e se deve a uma política de defesa da produção
nacional e, principalmente, da indústria. Não podemos esquecer que o Paraná
recebeu três grandes empresas na área de indústria automobilística, a Audi, a
Volkswagem e a DAF Caminhões, graças ao estímulo da desoneração de 30% no
Imposto sobre Produtos Industrializados. Aqui não tem estímulo do governo do
estado. Portanto, a política de proteção de emprego tem a ver com medidas
nacionais e não locais.
Então a sra. vê que o crescimento do Paraná não ocorre
"apesar" do governo federal, mas "por causa" do governo
federal, é isso?
É por conta das políticas que estamos desenvolvendo de
proteção do nosso emprego, da nossa renda, da nossa indústria e da produção
agrícola. Eu poderia dizer que, a despeito do que o governo do Paraná está
fazendo, nós crescemos. Porque nós temos no Paraná um pedágio caro, nós temos
fornecedores sem receber e tivemos agora uma política de substituição
tributária que praticamente afoga nossas pequenas e micro empresas.
Tirando a polêmica sobre os empréstimos, como a sra. avalia
a questão das dificuldades nas contas do estado?
Com muita preocupação. Eu trabalhei no governo do Mato
Grosso do Sul, fui secretária de estado lá. A economia deles é binária, baseada
na produção de soja e boi. É um estado pouco industrializado e que, portanto,
arrecada pouco. Mesmo assim nós conseguimos deixar em ordem as finanças, pagar
as contas e estimular o desenvolvimento. A economia paranaense é diferente, é
diversificada. Tem agricultura, grande, média e familiar, tem indústria,
comércio desenvolvido, um bom setor de serviços. Mesmo assim, o governo do
estado não consegue captar essa pujança para que a gestão possa ser melhorada.
Me preocupa muito. Mostra a falta de zelo, a incompetência, a incapacidade
administrativa do governo.
Como a sra. gostaria que sua passagem pela Casa Civil fosse
lembrada?
A minha intenção desde o início foi de ter uma atuação
discreta, de auxiliar a presidenta na estruturação e no monitoramento dos
programas. Foi uma gestão voltada para dentro do governo, que também foi o
justamente o que a presidenta me solicitou à época. Portanto, eu espero que a
minha colaboração nesse sentido tenha sido efetivada. A melhor forma de eu ser
lembrada é como eu me propus a trabalhar aqui: de uma maneira discreta.
A Casa Civil tinha antes um perfil mais político e quando a
sra. entrou só falou em gestão.
O foco foi esse. Para isso que eu me organizei junto com a
equipe. Hoje a presidenta tem a condição de fazer entregas em quase todas as
áreas em que ela se focou. Nós temos um monitoramento dos programas, sabemos os
seus resultados, os problemas que ainda existem e o que eles estão trazendo de
benefícios à população brasileira.
A presidente Dilma é sempre citada como "mãe" do
PAC. A senhora se sente um pouco "mãe" do pacote de concessões do
governo federal, o Programa de Investimentos em Logística (PIL)?
De maneira alguma. O projeto de concessões reuniu muitas
áreas no governo. Coube à Casa Civil coordenar o trabalho nessas áreas, mas ele
é resultado de um esforço muito grande, dos ministérios dos Transportes, da
Fazenda, da Secretaria de Portos, da Secretaria de Aviação Civil. Muitas áreas
gastaram muita energia com ele.
Mas foi o programa que deu mais trabalho?
Eu diria que foi o mais desafiador, pelo tamanho, pelo
volume de recursos que estão sendo mobilizados e por ter vários modais sendo
colocados ao mesmo tempo para serem concedidos. Orquestrar esse conjunto de
órgãos federais, de fiscalização, de regulação e de mercado foi um grande
desafio.
As concessões são um sinal de que o PT e o governo reviram o
seu conceito de relacionamento com o setor privado?
Nós já tínhamos uma experiência no PAC, que também teve uma
série de estímulos a parcerias público-privadas. A área de energia há muito
tempo recebe investimentos por meio de concessões. O Estado brasileiro já tinha
esse costume e continuou com essa proposta. Nós agora aprofundamos. Foi muito
motivado porque precisávamos mobilizar um valor maior de recursos e,
principalmente, recursos vindos da iniciativa privada para investimento. E
também utilizar mais a capacidade gerencial da iniciativa privada em
desenvolver projetos. Esses foram os dois grandes motivadores para que nós
pudéssemos ampliar as parcerias nas obras de infraestrutura.
A sra. está saindo da Casa Civil bem no momento em que as
concessões começam a sair do papel, com a definição de vários leilões de
rodovias e aeroportos.
Ainda bem que estão se realizando. Para chegar nesse momento
de realização e resultados, muitos esforços foram feitos. Nós trabalhamos nesse
processo de concessão desde o final de 2011 e início de 2012, quando nós
começamos a analisar e a integrar o Plano Nacional de Logística de Transporte
com o Plano Nacional de Logística Portuária.
O balanço é satisfatório?
É. A iniciativa privada atendeu o chamado do governo e o
modelo das concessões de aeroportos e rodovias mostraram-se modelos de sucesso.
Conseguimos fazer as concessões, termos uma baixa tarifa, que era nossa
preocupação maior, e termos investidores com vontade de investir, com retorno
daquilo que colocaram.
Os índios chegaram a fazer um enterro simbólico da sra. na
frente do Congresso. Alguma coisa mudou na interpretação da sra. sobre
demarcação de áreas indígenas?
Este é um país que tem lugar para todos, para índios e para
não índios. Nós já temos demarcados 120 milhões de hectares de terras
indígenas. Isso era um débito que o Estado brasileiro tinha com essa população.
O que nós precisamos agora é ter equilíbrio com essas demarcações. Nós não
podemos hoje desalojar um pequeno agricultor ou uma comunidade quilombola para
fazermos uma demarcação. Nós temos que chegar a uma mediação. Todos têm direito
a se estabelecer no território nacional. Portanto, o direito de um não pode
tirar o direito de outro. Estamos falando de pessoas que estão cultivando a
terra há mais de 80, 100 anos. Nós precisamos mediar e isso não se faz só por
demarcação. Talvez tenhamos que partir para uma outra situação, que sejam
assentamentos, compra de terra, indenizações, tudo isso tem que ser estudado.
Agora, para não termos injustiça, em qualquer processo fundiário, temos de
ouvir todos os atores envolvidos - a Fundação Nacional do Índio, os
representantes dos índios, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Ministério da Agricultura, a
Secretaria de Direitos Humanos. Quando todos podem acompanhar e opinar sobre um
processo, com certeza ele vai ser mais justo e mais equilibrado no final.
Que balanço a sra. faz do episódio envolvendo o ex-assessor
da Casa Civil Eduardo Gaievski (o ex-assessor foi preso em agosto por suspeita
de estupro de menores e favorecimento de prostituição)? Ficou alguma lição?
Foi um episódio muito triste. Lamentei muito pelo que
aconteceu. Eu espero sinceramente que as coisas sejam devidamente esclarecidas
e apuradas e as responsabilidades punidas.
A sra. teme que esse caso seja utilizado durante a campanha
para atingi-la?
Isso já foi bastante utilizado, inclusive por perfis falsos
nas redes sociais. Perfis até feitos e estimulados por servidores do governo do
estado, o que eu lamento muito. Mas acho que a população sabe separar bem isso.
Como foi o cotidiano do relacionamento com a presidente?
Muito bom. Aprendi muito com a presidenta. Ela é uma pessoa
firme, determinada, que faz cobrança por resultado. É uma grande gestora. Acho
um privilégio para o nosso país ter uma mulher como ela na sua direção. Hoje
temos programas com resultados grandes para a população brasileira. Temos
certeza que estamos qualificando cada vez mais a máquina pública, a gestão pública,
e a presidenta tem uma grande responsabilidade nisso.
A presidente tem uma imagem para a população de alguém
durona, que cobra muito. No dia a dia ela é assim mesmo?
Ela cobra muito e tem que cobrar. Mas existe um mito sobre o
comportamento da presidenta. Penso que isso é estimulado porque na
administração pública as pessoas não estão acostumadas à cobrança de
resultados. E nós temos que nos acostumar. Nós estamos fazendo gestão para o
povo brasileiro, com dinheiro do povo brasileiro. Nós temos que dar resultado.
O que mudou na Gleisi que chegou ao governo em 2011 para a
Gleisi de hoje?
Aprendi muito aqui. A conhecer o Brasil, os desafios, as
necessidades, as diferenças que esse país tem em termos regionais, a
importância das políticas públicas para o desenvolvimento e o equilíbrio do
país. Com certeza eu saio outra pessoa. Com uma visão de maior responsabilidade
em relação à gestão pública.
Teve algum episódio que possa ser considerado como mais
marcante nessa passagem pela Casa Civil?
Todos os lançamentos de programa, de projetos, foram muito
positivos. E principalmente quando a gente monitora os resultados. Um dos
programas que eu mais gostei de participar e que me deram muito prazer pelo
resultado prático foi o Viver Sem Limites e o Mais Médicos. O Viver Sem Limites
é voltado à pessoa com deficiência e, pela primeira vez, o Estado brasileiro
mobilizou 15 órgãos para ter uma política pública efetivada para esse setor da
sociedade. Era um débito que nós tínhamos. E o Mais Médicos pelo conjunto que tem
para o conjunto da população. Eu fiz questão de visitar uma unidade de saúde em
Curitiba, no Tatuquara, para saber como na prática estava sendo um programa que
estávamos começando a discutir em 2012. Foi emocionante ver a população dizer:
o médico me atende [nesse momento da entrevista, Gleisi começa a chorar]. Eu
acho que isso é dar resultado às pessoas. .
Nenhum comentário:
Postar um comentário