O que o bem-estar dos brasileiros tem a ver com o Tratado de Itaipu, cujas alterações serão decididas pelo Senado nos próximos dias?
Essa é a pergunta do leitor atento ao tema, que parece restrito às nossas fronteiras. A questão deve ser respondida com ponderação, sem reducionismos, como o argumento de que os brasileiros estarão "subsidiando" o Paraguai a partir do reajuste do valor pago pelo Brasil à energia não consumida pelo país vizinho.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o debate sobre as alterações no tratado é muito mais amplo que o mero preço da energia. Mas ressalte-se desde já: o Brasil está pagando preço abaixo da média de mercado pela energia paraguaia, mesmo com o reajuste (o Paraguai, pelo acordo, é obrigado a nos vender a energia que não consome). Fora a questão de cifras, falamos de como a condução da relação Brasil-Paraguai (e do Mercosul) pode trazer benefícios ou riscos nas áreas comercial, social e até militar. Os que acusam o governo brasileiro de "desperdiçar" dinheiro público com o Paraguai são os mesmos que criticarão possíveis aproximações entre o país vizinho e outras potências, em parcerias e acordos danosos ou, no mínimo, constrangedores para o Brasil. Para citar exemplos que impactam a vida imediata da população brasileira, podemos tomar o comércio. China e EUA são apenas duas das potências interessadas em expandir sua zona de influência com acordos que proporcionem melhores condições de competitividade às suas exportações.
Na prática, um país com tal agressividade comercial pode celebrar parcerias com o Paraguai de forma a inundar o mercado brasileiro com produtos e serviços em condições vantajosas, como vêm tentando fazer. Significaria uma sangria de empregos e renda. Haja vista a eficiência com que a China tem aportado na África, fazendo valer seu papel de potência. O mesmo raciocínio serve à área militar: tudo o que o Brasil menos precisa é de um clima de desconfiança que abra brecha para riscos, como a instalação de bases militares de potências às nossas portas.
Há também o impacto social. Hoje, o Paraguai detém a segunda maior comunidade brasileira no exterior, com mais de 300 mil pessoas. Esses brasileiros -que dependem de um clima de estabilidade social para que possam tocar normalmente seus negócios, suas vidas- frequentemente sofrem com o estigma de "imperialista" imposto ao Brasil por segmentos da sociedade paraguaia.
O que o governo intenta, alterando o Tratado de Itaipu no Congresso, é prevenir dores de cabeça que serão sentidas por muitos setores da nossa sociedade. Além, claro, de fazer o Brasil ocupar um lugar que é seu: a liderança natural e estratégica na América do Sul. Lembremos aos críticos do tratado que, pelas leis da geopolítica, quem não ocupa seu espaço verá um concorrente fazê-lo. E liderança significa entendimento, correção de desequilíbrios, fomento, busca pelo desenvolvimento e bem-estar mútuo. Não se trata de caridade, mas de inteligência.
O Tratado de Itaipu
A assinatura do Tratado de Itaipu, que permitiu o aproveitamento hidrelétrico do Rio Paraná pelo Brasil e Paraguai,ocorreu no dia 26 de abril de 1973 pelo embaixador Mário Gibson Barbosa, pelo Brasil, e Raúl Sapeña Pastor, pelo Paraguai. A solenidade ocorreu em Brasília (DF).
O documento previa “o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná, pertencentes em condomínio aos dois países, desde e inclusive o Salto Grande de Sete Quedas ou Salto de Guaíra até a Foz do Rio Iguaçu”. Ele foi aprovado pelo Congresso Brasileiro, em 30 de maio de 1973, e pelo Executivo, em 28 de agosto daquele mesmo ano. No Paraguai, a aprovação ocorreu em 11 de julho de 1973, pela Lei Nº 289.
Além de permitir a criação da usina de Itaipu – referência de empreendimento binacional – o Tratado solucionou um litígio de fronteira entre os dois países, impasse que perdurava desde o período colonial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário